cRaZyzMaN
GF Ouro
- Entrou
- Jun 2, 2007
- Mensagens
- 5,760
- Gostos Recebidos
- 0
A legitimidade democrática do poder judicial
Sempre que um governo tem problemas com a justiça, entre as habituais cabalas e teorias de conspiração, lá temos uns comentaristas que recordam a falta de legitimidade democrática do poder judicial. Foi assim com o PSD e o CDS, é agora assim com o PS, e nestas últimas semanas com o caso Freeport.
Não vale a pena nomear historiadores e juristas conhecidos, muito conhecidos, que de vez em quando, e sempre em função da conveniência política do momento, mencionam a fantástica possibilidade de um governo dos juízes não eleitos. Faz parte do jacobinismo tradicional (vem mesmo da Revolução Francesa) e da demagogia habitual, mas promove na opinião pública a impressão que de facto o poder judicial não tem legitimidade democrática porque não foi eleito pelo povo.
Acontece que não vivemos num regime plebiscitário, mas sim num Estado de Direito democrático. A legitimidade não deriva das eleições, mas do Estado de Direito dentro do qual se realizam as consultas populares. Portanto o poder judicial, dentro de um Estado de Direito democrático, tem tanta legitimidade democrática como o poder executivo e o poder legislativo. Que eu saiba o primeiro-ministro não foi eleito, os ministros não foram eleitos. Foram nomeados. E ninguém duvida da sua legitimidade democrática.
Quando juristas com responsabilidade põem em causa a legitimidade democrática do poder judicial para entrar na guerra política, prestam um mau serviço ao Estado de Direito. E, sendo juristas, têm uma especial responsabilidade em saber distinguir duas coisas bem diferentes. Uma são os potenciais excessos do poder judicial, em termos das competências que lhe estão adstritas num Estado de Direito, e que devem ser denunciados e penalizados. Outra bem distinta é a legitimidade democrática do poder judicial que não pode ser posta em causa, sob pena de “balcanizarnos” o Estado de Direito para fins puramente partidários.
O poder judicial tem inequívoca legitimidade democrática num Estado de Direito como o nosso. Outra coisa é que os mecanismos de prestação de contas do poder judicial dentro da nossa configuração constitucional sejam incipientes, mesmo ausentes em momentos críticos. Mas se isso é assim, e a mim parece-me infelizmente que sim, a questão tem pouco que ver com legitimidades democráticas ou plebiscitárias, mas mais com uma configuração constitucional deficiente. Infelizmente, em Portugal, desde 1976, a organização e estrutura do poder judicial são temas tabus, dominados por um discurso tecnocrático que recusa qualquer reforma estrutural.
Digamos mesmo que, nesta matéria, o actual governo será porventura quem menos responsabilidade política tem. Ainda que deforma tímida e, sem dúvida, menos decidida do que eu certamente gostaria, foi o único governo que começou a caminhar no sentido de reformar a estrutura do poder judicial, totalmente antiquada e desajustada das necessidades de uma democracia e de uma economia moderna. Responsabilidade política no actual estado de coisas têm certamente os mentores da actual configuração baseada em modelos que não funcionam nem aqui, nem fora daqui, mas que tenazmente insistem em bloquear qualquer mudança. Mas também não podemos esquecer o papel absolutamente crucial que tiveram os governos de maioria absoluta do PSD de 1987 a 1995 que não só não fizeram as reformas j á então necessárias (e com custos bem menores), como agravaram em muito as deficiências desta configuração já de si absolutamente incapaz.
É pois de lamentar o discurso populista e demagógico, ala Berlusconí que se instalou nalgumas figuras públicas da maioria socialista nas últimas semanas. Prejudica o regular funcionamento do Estado de Direito democrático. Não resolve o estado comatoso em que se encontra o poder judicial em Portugal. Portugal precisa de uma profunda reforma estrutural da configuração e governança do poder judicial, não precisa de “deslegitimar” o Estado de Direito democrático que ainda vai existindo.
@ Jornal de Negócios
Sempre que um governo tem problemas com a justiça, entre as habituais cabalas e teorias de conspiração, lá temos uns comentaristas que recordam a falta de legitimidade democrática do poder judicial. Foi assim com o PSD e o CDS, é agora assim com o PS, e nestas últimas semanas com o caso Freeport.
Não vale a pena nomear historiadores e juristas conhecidos, muito conhecidos, que de vez em quando, e sempre em função da conveniência política do momento, mencionam a fantástica possibilidade de um governo dos juízes não eleitos. Faz parte do jacobinismo tradicional (vem mesmo da Revolução Francesa) e da demagogia habitual, mas promove na opinião pública a impressão que de facto o poder judicial não tem legitimidade democrática porque não foi eleito pelo povo.
Acontece que não vivemos num regime plebiscitário, mas sim num Estado de Direito democrático. A legitimidade não deriva das eleições, mas do Estado de Direito dentro do qual se realizam as consultas populares. Portanto o poder judicial, dentro de um Estado de Direito democrático, tem tanta legitimidade democrática como o poder executivo e o poder legislativo. Que eu saiba o primeiro-ministro não foi eleito, os ministros não foram eleitos. Foram nomeados. E ninguém duvida da sua legitimidade democrática.
Quando juristas com responsabilidade põem em causa a legitimidade democrática do poder judicial para entrar na guerra política, prestam um mau serviço ao Estado de Direito. E, sendo juristas, têm uma especial responsabilidade em saber distinguir duas coisas bem diferentes. Uma são os potenciais excessos do poder judicial, em termos das competências que lhe estão adstritas num Estado de Direito, e que devem ser denunciados e penalizados. Outra bem distinta é a legitimidade democrática do poder judicial que não pode ser posta em causa, sob pena de “balcanizarnos” o Estado de Direito para fins puramente partidários.
O poder judicial tem inequívoca legitimidade democrática num Estado de Direito como o nosso. Outra coisa é que os mecanismos de prestação de contas do poder judicial dentro da nossa configuração constitucional sejam incipientes, mesmo ausentes em momentos críticos. Mas se isso é assim, e a mim parece-me infelizmente que sim, a questão tem pouco que ver com legitimidades democráticas ou plebiscitárias, mas mais com uma configuração constitucional deficiente. Infelizmente, em Portugal, desde 1976, a organização e estrutura do poder judicial são temas tabus, dominados por um discurso tecnocrático que recusa qualquer reforma estrutural.
Digamos mesmo que, nesta matéria, o actual governo será porventura quem menos responsabilidade política tem. Ainda que deforma tímida e, sem dúvida, menos decidida do que eu certamente gostaria, foi o único governo que começou a caminhar no sentido de reformar a estrutura do poder judicial, totalmente antiquada e desajustada das necessidades de uma democracia e de uma economia moderna. Responsabilidade política no actual estado de coisas têm certamente os mentores da actual configuração baseada em modelos que não funcionam nem aqui, nem fora daqui, mas que tenazmente insistem em bloquear qualquer mudança. Mas também não podemos esquecer o papel absolutamente crucial que tiveram os governos de maioria absoluta do PSD de 1987 a 1995 que não só não fizeram as reformas j á então necessárias (e com custos bem menores), como agravaram em muito as deficiências desta configuração já de si absolutamente incapaz.
É pois de lamentar o discurso populista e demagógico, ala Berlusconí que se instalou nalgumas figuras públicas da maioria socialista nas últimas semanas. Prejudica o regular funcionamento do Estado de Direito democrático. Não resolve o estado comatoso em que se encontra o poder judicial em Portugal. Portugal precisa de uma profunda reforma estrutural da configuração e governança do poder judicial, não precisa de “deslegitimar” o Estado de Direito democrático que ainda vai existindo.
@ Jornal de Negócios