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"EUA cometem um erro profundo que lhes vai sair caro. E a nós também"
Por enquanto, a China vai ficar a observar o que está a acontecer
Falando de outra das grandes potências mundiais. Passados três anos, onde está a China? Com uma aparente maior intervenção pública nesta guerra, agora, podemos esperar algumas movimentações por parte da China?
Acho que a China neste momento não tem de fazer nada. À China basta-lhe ficar à espera que os Estados Unidos entreguem os pontos à Rússia para ter uma vitória política. Acho que, por enquanto, a China vai ficar a observar o que está a acontecer - sabendo, porém, que o que está a acontecer no mundo é muito favorável à China.
A acomodação da Rússia não é igual à acomodação da China. Não estou certa de que os Estados Unidos queiram acomodar a China, embora desconfie que essa é uma possibilidade. Do ponto de vista comercial, os Estados Unidos olham ainda para a China como um grande competidor - e mesmo do ponto de vista da segurança. Agora, muitas vezes os competidores, em vez de competirem ativamente para não perderem ou para ganharem um determinado lugar no sistema internacional, podem recorrer à acomodação - portanto, dividindo os espólios do mundo, digamos assim, para tentar evitar a guerra entre as grandes potências. Ainda não há sinais disso!
A mim parece-me que a grande vontade que os Estados Unidos têm é fazer a mesma política que o Nixon fez em 1972, que é a política de détente [relaxamento], que no fundo foi separar a China comunista da União Soviética e tentar ter relações cordiais com a União Soviética sem nunca deixar de lado a competição própria da Guerra Fria - mas de uma forma mais leve e mais cordial. Agora, há diferenças.
Quais?
É que a Rússia de Putin não é a China de Mao. E há outra diferença fundamental, ainda mais importante - nós não estamos num sistema internacional relativamente estável, como era o sistema internacional da Guerra Fria. Estamos num sistema internacional de transição de poder que, por definição, é profundamente instável. E quando se está a trabalhar sobre um sistema internacional profundamente instável, qualquer passo em falso pode criar problemas profundos e irreversíveis, que é o que eu penso que pode acontecer com os Estados Unidos.
Os desafios de Charles Michel e os de António Costa são diferentes. Os de António Costa são mais exigentes
Ainda quanto à União Europeia: que diferenças vê entre Charles Michel e António Costa na presidência do Conselho Europeu? Isto tendo em conta que, depois das acusações de Trump a Zelensky que colocaram em causa a legitimidade da sua presidência, Costa anunciou a sua visita a Kyiv para ver o "presidente democraticamente eleito".
Acho que não é comparável! O mundo tem mudado tão rapidamente que acho que os desafios de Charles Michel são diferentes dos desafios de António Costa. É muito recente e também não vi António Costa até hoje tomar uma posição que o distinguisse verdadeiramente do seu antecessor. Mas também o cargo é muito ingrato - não dá propriamente para estar a tomar grandes posições políticas. Porque a verdadeira função do presidente do Conselho Europeu é congregar as vontades dos 27.
E, neste momento, a congregação da vontade dos 27 é muito mais complicada. Primeiro, porque nos últimos anos, já durante a guerra, houve bastantes desvios - é muito mais difícil congregar vontades e democracias até pro-russas e outras não, e de democracias liberais pro-ucranianas, digamos assim.
E em segundo lugar, o fator desestabilizador introduzido por Donald Trump. É que no fundo pôs a nu a posição da Europa, mas à qual retirou a legitimidade que tinha através da sua aliança com os Estados Unidos e a proteção que tinha através da sua aliança com os Estados Unidos, torna tudo muito mais complicado. Os desafios de Costa e os desafios de Costa e Charles Michel são desafios completamente diferentes. Há uma evolução, digamos assim. Os de Costa são mais exigentes.
Com um mês de presidência, acha que Trump vai ter a capacidade de enfraquecer Zelensky como líder da Ucrânia? Com as acusações de não ter sido democraticamente eleito?
O que me parece que Donald Trump está a tentar fazer - e quando se fala de Trump tem de se falar com muitas reticências -, juntando essa ideia com todas as suas outras declarações, parece-me que Trump está a insistir em que haja eleições na Ucrânia na tentativa de que haja um interlocutor mais propenso a acatar as vontades da Rússia. Acho que é esse o objetivo político.
É evidente que o nível de aprovação de Zelensky não está nos 4%, está nos 57%. Há sondagens que dizem que, por exemplo, Zaluzhnyi concorresse com Zelensky, haveria uma possibilidade de ele ganhar. Mas também nem sequer há certeza absoluta - longe disso - que se Zelensky fosse a eleições, perdesse.
Qual é o grande risco? É que apesar de tudo, a Rússia ainda tem grandes ligações na Ucrânia. Sabemos que a Rússia, nomeadamente, através de Viktor Medvedchuk, um dos prisioneiros entregues à Rússia numa das primeiras trocas, e oligarca ucraniano com ligações ao Kremlin, foi instrumental para que se elegessem líderes pró-Moscovo desde que a Ucrânia se tornou independente. E nada nos garante que não haja outros Medvedchuk na Ucrânia. Muito pelo contrário - ficaria admirada se não houvesse.
NM