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Onomástica: Tribunais dão razão aos pais
Uma recusa do Instituto dos Registos e do Notariado (IRN), via Conservatória dos Registos Centrais, nem sempre justifica que se baixem os braços. Há pais que decidiram posteriormente recorrer aos tribunais judiciais. E que ganharam.
Em 2003, o Tribunal de Setúbal concluiu que a recusa do IRN do nome Eneiva não tinha fundamento. "Embora não integre a onomástica nacional, está perfeitamente adaptado à língua portuguesa", concluiu o tribunal, em cuja decisão pesou também o facto de a criança em questão contar na altura com dois anos e meio de idade. "Esse nome já se insere no núcleo essencial de direitos inerentes à sua personalidade, adquirido no momento do seu nascimento (...) pelo que travar agora essa familiarização, a pretexto de uma lista pretensamente taxativa de nomes da onomástica, podia criar nessa criança um ambiente de instabilidade e confusão perturbadores do seu desenvolvimento equilibrado".
No ano anterior, o Tribunal da Relação de Lisboa tinha, em sentido contrário à decisão da instância abaixo, permitido a concessão do nome Mário Júnior a uma criança. Embora júnior não seja nome próprio, o tribunal considerou que, colocado a seguir a Mário, não oferecia quaisquer dúvidas quanto ao sexo do registando, sendo que, apesar de não integrar a onomástica nacional, esta "está em constante evolução e vai sendo recriada a todo o tempo".
Confrontado com estes exemplos, Ivo Castro insiste que a lista de nomes admitidos e não-admitidos presente nas conservatórias locais não deve ser encarada como taxativa, não configurando assim nenhuma espécie de tirania. "Um nome que lá esteja como não-admitido pode passar a admitido a qualquer momento", porque a lista resulta do somatório "dos nomes que foram analisados e rejeitados nos últimos sessenta anos". Porque "a legislação foi mudando, é natural que o fundamento para a rejeição de um nome há vinte anos não se mantenha actual", conclui.
Nome pode conter até 6 vocábulos
À margem das dúvidas que possam surgir em torno de alguns nomes, as regras relativas à admissibilidade dos nomes estão contidas no artigo 103º do Código de Registo Civil. Aqui se define que o nome deve compor-se no máximo de seis vocábulos gramaticais, simples ou compostos, dos quais "só dois podem corresponder ao nome próprio e quatro a apelidos". Os nomes próprios devem ser portugueses, "de entre os constantes da onomástica nacional, ou adaptados, gráfica e foneticamente, à língua portuguesa, não devendo suscitar dúvidas sobre o sexo do registando". São admitidos nomes estrangeiros nos casos em que a criança - ou um dos progenitores - é estrangeira ou tiver nascido no estrangeiro.
Há cada vez menos Kátias Vanessas
A fase das Kátias Vanessas parece definitivamente enterrada. Maria foi o nome mais dado às meninas nascidas no ano passado, segundo o Instituto dos Registos e do Notariado (IRN). Do lado dos rapazes, João encabeça a lista dos nomes próprios mais escolhidos. Seguem-se nomes igualmente tradicionalistas como Rodrigo, Martim, Diogo, Tomás e Afonso. De volta às raparigas, a seguir ao Maria - que nos últimos anos se laicizou, deixando cair complementos como da Piedade, de Fátima ou da Luz - surgem Beatriz, Ana, Leonor, Mariana e Matilde.
Até aqui, nada de controverso. Os problemas nesta matéria dos nomes a dar aos bebés começam nas excepções à regra. Um mergulho na Internet e sucedem-se as histórias de indignação como a daquele pai que viu recusado o nome Lira para a sua filha. Ou daquele outro que queria chamar Luís Figo ao bebé e esbarrou com a recusa do funcionário da conservatória.
Nestes casos, reclamar compensa, porque, como explicou ao PÚBLICO Ivo Castro, o especialista em onomástica que nos últimos dez anos tem trabalhado com o IRN na resolução de alguns destes conflitos emitindo pareceres, não há regras absolutas (ver caixa). A própria lista dos registos que classifica centenas de nomes como admitidos ou não-admitidos não é taxativa, resultando antes das consultas que, nos últimos sessenta anos, alguns pais foram fazendo ao INR e cuja análise obedeceu a critérios que poderão já estar desactualizados.
Resulta daqui que, numa primeira instância os pedidos podem ou não ser aceites consoante o entendimento do funcionário do balcão da conservatória local. "Há aqui uma certa subjectividade, na medida em que o funcionário pode mostrar-se mais ou menos liberal na apreciação do pedido", reconhece aquele especialista, que recusa falar em arbitrariedade.
Lição a tirar: vale a pena reclamar. O pedido de consulta sobre a admissibilidade de um nome - que levará o INR a socorrer-se do parecer de um técnico de onomástica a quem cabe estudar a palavra do ponto de vista morfológico, gráfico, sociológico e cultural - custa 50 euros. "Metade das pessoas que refilam ganham", incentiva Ivo Castro. Segundo este especialista, no início da década havia uma média de 200 reclamações por ano. Nos anos mais recentes, "tem havido entre trinta a quarenta reclamações por ano". Este ano, "há 17 reclamações".
Menos subjectividade
Esta quebra não resulta de nenhum surto de conformismo. O que houve foi o estabelecimento de alguns critérios que "que reduziram a margem de subjectividade dos balcões das conservatórias". Exemplo: da entrada em vigor da lei de liberdade religiosa resultou que "os pais têm direito de escolher para os filhos nomes próprios das religiões em que os pretendem educar". Daí que na lista de nomes admitidos e não-admitidos surjam possibilidades como Esaú, Belchior e Radija.
Por outro lado, a possibilidade de as crianças nascidas no estrangeiro ou filhas de pais estrangeiros ou com dupla nacionalidade adoptarem nomes estrangeiros também "veio diminuir as possibilidades de conflito". Outro caso em que "praticamente deixou de haver conflitos" é o dos apelidos compostos. Por lei, cada criança não pode ter mais de quatro apelidos. Muitos pais tentavam contornar esta restrição alegando que apelidos como Fontes Pereira de Melo deviam contar como um só vocábulo, à semelhança de Espírito Santo ou Castelo Branco. "Ao contrário do primeiro exemplo, Espírito Santo não nasceu como nome de pessoa, só mais tarde é que isso acontece e não faria sentido parti-lo ao meio", explica Ivo Castro.
Para Ivo Castro, os portugueses até são tradicionalistas nos nomes que adoptam. "Não são muito de modas, o que não quer dizer que não haja modas pontuais de culto da personalidade que levam muitos pais a escolher o nome de uma personagem de telenovela ou de um jogador de futebol". Nada de novo. Após a instauração da República, em 1910, alguns pais baptizaram os filhos com nomes como Aurora de Cinco de Outubro e Outubrina. Geralmente, "a geração seguinte tem o cuidado de não repetir a brincadeira", segundo Ivo Castro, para quem as propostas de nomes incomuns são "uma dezena num milhar".
Mesmo assim, continua a haver quem insista em nomes como Bebé ou Vivi. "Uma família pode dar nomes carinhosos aos seus membros mas não pode esperar que o Estado português tenha alguma coisa a ver com isso", descarta o especialista, para quem o mais certo é que a criança vá mais tarde lamentar o mau gosto dos pais. Os números parecem dar-lhe razão, já que a maior parte dos pedidos de alteração de nome que chegam à conservatória são "para passar de um nome invulgar para um vulgar".
@ Público
Uma recusa do Instituto dos Registos e do Notariado (IRN), via Conservatória dos Registos Centrais, nem sempre justifica que se baixem os braços. Há pais que decidiram posteriormente recorrer aos tribunais judiciais. E que ganharam.
Em 2003, o Tribunal de Setúbal concluiu que a recusa do IRN do nome Eneiva não tinha fundamento. "Embora não integre a onomástica nacional, está perfeitamente adaptado à língua portuguesa", concluiu o tribunal, em cuja decisão pesou também o facto de a criança em questão contar na altura com dois anos e meio de idade. "Esse nome já se insere no núcleo essencial de direitos inerentes à sua personalidade, adquirido no momento do seu nascimento (...) pelo que travar agora essa familiarização, a pretexto de uma lista pretensamente taxativa de nomes da onomástica, podia criar nessa criança um ambiente de instabilidade e confusão perturbadores do seu desenvolvimento equilibrado".
No ano anterior, o Tribunal da Relação de Lisboa tinha, em sentido contrário à decisão da instância abaixo, permitido a concessão do nome Mário Júnior a uma criança. Embora júnior não seja nome próprio, o tribunal considerou que, colocado a seguir a Mário, não oferecia quaisquer dúvidas quanto ao sexo do registando, sendo que, apesar de não integrar a onomástica nacional, esta "está em constante evolução e vai sendo recriada a todo o tempo".
Confrontado com estes exemplos, Ivo Castro insiste que a lista de nomes admitidos e não-admitidos presente nas conservatórias locais não deve ser encarada como taxativa, não configurando assim nenhuma espécie de tirania. "Um nome que lá esteja como não-admitido pode passar a admitido a qualquer momento", porque a lista resulta do somatório "dos nomes que foram analisados e rejeitados nos últimos sessenta anos". Porque "a legislação foi mudando, é natural que o fundamento para a rejeição de um nome há vinte anos não se mantenha actual", conclui.
Nome pode conter até 6 vocábulos
À margem das dúvidas que possam surgir em torno de alguns nomes, as regras relativas à admissibilidade dos nomes estão contidas no artigo 103º do Código de Registo Civil. Aqui se define que o nome deve compor-se no máximo de seis vocábulos gramaticais, simples ou compostos, dos quais "só dois podem corresponder ao nome próprio e quatro a apelidos". Os nomes próprios devem ser portugueses, "de entre os constantes da onomástica nacional, ou adaptados, gráfica e foneticamente, à língua portuguesa, não devendo suscitar dúvidas sobre o sexo do registando". São admitidos nomes estrangeiros nos casos em que a criança - ou um dos progenitores - é estrangeira ou tiver nascido no estrangeiro.
Há cada vez menos Kátias Vanessas
A fase das Kátias Vanessas parece definitivamente enterrada. Maria foi o nome mais dado às meninas nascidas no ano passado, segundo o Instituto dos Registos e do Notariado (IRN). Do lado dos rapazes, João encabeça a lista dos nomes próprios mais escolhidos. Seguem-se nomes igualmente tradicionalistas como Rodrigo, Martim, Diogo, Tomás e Afonso. De volta às raparigas, a seguir ao Maria - que nos últimos anos se laicizou, deixando cair complementos como da Piedade, de Fátima ou da Luz - surgem Beatriz, Ana, Leonor, Mariana e Matilde.
Até aqui, nada de controverso. Os problemas nesta matéria dos nomes a dar aos bebés começam nas excepções à regra. Um mergulho na Internet e sucedem-se as histórias de indignação como a daquele pai que viu recusado o nome Lira para a sua filha. Ou daquele outro que queria chamar Luís Figo ao bebé e esbarrou com a recusa do funcionário da conservatória.
Nestes casos, reclamar compensa, porque, como explicou ao PÚBLICO Ivo Castro, o especialista em onomástica que nos últimos dez anos tem trabalhado com o IRN na resolução de alguns destes conflitos emitindo pareceres, não há regras absolutas (ver caixa). A própria lista dos registos que classifica centenas de nomes como admitidos ou não-admitidos não é taxativa, resultando antes das consultas que, nos últimos sessenta anos, alguns pais foram fazendo ao INR e cuja análise obedeceu a critérios que poderão já estar desactualizados.
Resulta daqui que, numa primeira instância os pedidos podem ou não ser aceites consoante o entendimento do funcionário do balcão da conservatória local. "Há aqui uma certa subjectividade, na medida em que o funcionário pode mostrar-se mais ou menos liberal na apreciação do pedido", reconhece aquele especialista, que recusa falar em arbitrariedade.
Lição a tirar: vale a pena reclamar. O pedido de consulta sobre a admissibilidade de um nome - que levará o INR a socorrer-se do parecer de um técnico de onomástica a quem cabe estudar a palavra do ponto de vista morfológico, gráfico, sociológico e cultural - custa 50 euros. "Metade das pessoas que refilam ganham", incentiva Ivo Castro. Segundo este especialista, no início da década havia uma média de 200 reclamações por ano. Nos anos mais recentes, "tem havido entre trinta a quarenta reclamações por ano". Este ano, "há 17 reclamações".
Menos subjectividade
Esta quebra não resulta de nenhum surto de conformismo. O que houve foi o estabelecimento de alguns critérios que "que reduziram a margem de subjectividade dos balcões das conservatórias". Exemplo: da entrada em vigor da lei de liberdade religiosa resultou que "os pais têm direito de escolher para os filhos nomes próprios das religiões em que os pretendem educar". Daí que na lista de nomes admitidos e não-admitidos surjam possibilidades como Esaú, Belchior e Radija.
Por outro lado, a possibilidade de as crianças nascidas no estrangeiro ou filhas de pais estrangeiros ou com dupla nacionalidade adoptarem nomes estrangeiros também "veio diminuir as possibilidades de conflito". Outro caso em que "praticamente deixou de haver conflitos" é o dos apelidos compostos. Por lei, cada criança não pode ter mais de quatro apelidos. Muitos pais tentavam contornar esta restrição alegando que apelidos como Fontes Pereira de Melo deviam contar como um só vocábulo, à semelhança de Espírito Santo ou Castelo Branco. "Ao contrário do primeiro exemplo, Espírito Santo não nasceu como nome de pessoa, só mais tarde é que isso acontece e não faria sentido parti-lo ao meio", explica Ivo Castro.
Para Ivo Castro, os portugueses até são tradicionalistas nos nomes que adoptam. "Não são muito de modas, o que não quer dizer que não haja modas pontuais de culto da personalidade que levam muitos pais a escolher o nome de uma personagem de telenovela ou de um jogador de futebol". Nada de novo. Após a instauração da República, em 1910, alguns pais baptizaram os filhos com nomes como Aurora de Cinco de Outubro e Outubrina. Geralmente, "a geração seguinte tem o cuidado de não repetir a brincadeira", segundo Ivo Castro, para quem as propostas de nomes incomuns são "uma dezena num milhar".
Mesmo assim, continua a haver quem insista em nomes como Bebé ou Vivi. "Uma família pode dar nomes carinhosos aos seus membros mas não pode esperar que o Estado português tenha alguma coisa a ver com isso", descarta o especialista, para quem o mais certo é que a criança vá mais tarde lamentar o mau gosto dos pais. Os números parecem dar-lhe razão, já que a maior parte dos pedidos de alteração de nome que chegam à conservatória são "para passar de um nome invulgar para um vulgar".
@ Público